PROTEÍNAS PLASMÁTICAS RADIOINDUZIDAS
EM TERRITÓRIO CEREBRAL

Celso Vieira Lima e Tarcísio Passos Ribeiro de Campos

 

Núcleo de Radiações Ionizantes, Programa de Ciências e Técnicas Nucleares

Universidade Federal de Minas Gerais.

Av. Antonio Carlos, 6627, Bloco 4, S.2285 - CEP 31270901 - Belo Horizonte, Minas Gerais.

 

Autor correspondente: TPR Campos, PhD; tprcampos@pq.cnpq.br

Abril de 2016


Resumo

 

Objetivos: O presente estudo tem como escopo analisar, em cinética de tempo, o perfil eletroforético de bandas de expressão das proteínas solúveis do sangue, na faixa de peso molecular superior e igual à albumina, moduladas por radiação ionizante no território cerebral em modelo animal. Métodos: Animais foram expostos à radiação de Co-60, em dose de 5 Gy corpo inteiro. Foram coletadas amostras de soro sanguíneo em ratos Wistar isogênicos, em grupo controle e irradiado. Foram realizadas laparotomias abdominal e torácica com anestesia profunda, e posteriormente coletados 0,5 mL de sangue da veia jugular em uma cinética de tempo de 12, 24, 48, 72, 96 h e 35 d pós-exposição, e 0 h, 1 semana e 35 d no grupo controle. As amostras foram heparinizadas e posteriormente seus componentes separados por centrifugação. As bandas proteicas de similar peso molecular foram identificadas por eletroforese vertical 10%, coradas com prata. Resultados: Os achados indicam alterações aguda e crônicas da expressão das proteínas de peso molecular superior ou igual à albumina em gel de acrilamida representando em supressão, aumento de expressões, bandas estáveis e outras bandas moduladas para maior ou menor expressão protéica em relação ao controle,  identificadas em cinética de tempo. Conclusão: Estes achados apontam para uma alteração aguda modulada no tempo da expressão protéica plasmática, mas também para uma alteração moderada tardia da expressão gênica. 

Palavras-chave: proteínas plásmicas, ratos, radiação, modulação gênica, eletroforese.


Introdução

 

Vivenciamos nas últimas décadas o surgimento e aprimoramento de tecnologias na saúde, com a incorporação de novas abordagens, de diagnósticos e de tratamento, aplicadas a antigas doenças. No entanto, o câncer continua a desafiar a ciência em virtude da diversidade de causas e consequências, e pela existência de mecanismos bioquímicos próprios que a ciência ainda não foi capaz de, totalmente, desvendar. As possíveis recidivas e os efeitos adversos sofridos pelos pacientes em químioterapia e radioterapia, como náuseas, vômitos, tonturas, diarréias são fatos.  No entanto, não é questionável a eficiência dos tratamentos existentes, principalmente a radioterapia, que mostra uma potente ferramenta anti-tumor. Entretanto, há diversas facetas ainda não investigadas totalmente no âmbito deste tema. 

Um dos principais tecidos afetados pela radioterapia é o sangue (SOLTER, P.F. et alii 1991;  GRUYS, E. et alii 1994), e consequentemente os possíveis efeitos adversos estão presentes. Por ser o sangue um tecido com alta taxa metabólica, e com componentes celulares mononucleados altamente radiossensíveis é fato que este apresenta os efeitos deletérios da radiação.  Aprofundar o conhecimento da fisiopatologia deste tecido após exposições planejadas, para melhor entender os fenômenos e efeitos produzidos pela interação da radiação nos tecidos.

É sabido que o sangue humano tem, em sua constituição, mais de 500 proteínas diferentes sendo que um pequeno grupo é de suma relevância para as funções metabólicas, osmóticas e de manutenção da fisiologia do sangue. As principais proteínas plásmicas são a albumina, antitripsina, TBG, alfafetoproteína, alfa1-glicoproteína ácida, alfa2-globulina, haptoglobina, macroglobulina, ceruplasmina, imunoglobulinas, transferrina, betalipoproteínas, globulinas, gamaglobulinas e C3. Todas estas proteínas são formadas por cadeias de aminoácidos, unidos entre si por ligações peptídicas (PAULA e SILVA, R. O. et alii 2008; GORDON, A. H. 1995). 

Na análise e identificação das proteínas do sangue pode ser empregada a técnica de eletroforese em gel de agarose ou eletroforese vertical em acrilamida (GORDON, A. H. 1995; LAMMELI, U. K. 1970; MACORIS, D. G. et al 2008). Esta técnica utiliza forças eletroforéticas e eletro endosmóticas presentes no sistema para separação proteica pelo peso molecular. As frações separadas são visíveis após o tratamento com corantes sensíveis a proteínas (MADEWELL, B. R. 1997; MacEWEN, E. G. et al). 

O presente estudo tem como escopo caracterizar e analisar a cinética temporal do perfil eletroforético das bandas de expressão das proteínas solúveis do sangue, na faixa de peso molecular superior a albumina, em modelo animal (Ratos Wistar), tratados com radiação ionizante no território cerebral. Não é o escopo deste trabalho quantificar, de forma absoluta, concentrações volumétricas ou identificar, de forma específica, as proteínas no perfil eletroforético; mas, apontar as variações e modulações cinéticas radioinduzidas das bandas do conjunto proteico sanguíneo.

Para tal propósito foram utilizados 16 ratos isogênicos Wistar saudáveis, com rígida faixa etária de 12 semanas e peso corporal entre 320+/-15 g, com livre acesso a água e a alimento com foto período de 12 h. Os animais foram divididos em dois grupos: um controle (n=8), e outro submetido à irradiação de corpo inteiro (n=8) em fonte de
Co-60, em conjunto, na dose de 5 Gy no Laboratório de Irradiação Gama – LIG do
Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear - CDTN. (n=8). Para linearizar as variáveis foram utilizados animais da mesma linhagem, família, com mesmo peso e idade, com características isogênicas, providos pelo biotério da Universidade Federal de Minas Gerais.

Os animais no dia da coleta foram submetidos à anestesia geral e realizada uma laparotomia abdominal, onde a veia jugular foi acessada. A coleta de sangue realizada totalizou 0,5 mL. As amostras coletadas foram heparinizadas e seus componentes separados por centrifugação em 2500 rpm por 30 min. As amostras foram obtidas de animais dos grupos controle (C), no tempo 0 h, 1 semana e 30 d; e no grupo de animais irradiados(IR), após 12, 24, 48, 72, 96 h e 35 d para cada animal irradiado.

Amostras do soro, nos tempos de coleta supracitados, dos grupos IR e C, foram submetidas à eletroforese vertical. Os géis de corrida foram preparados com gel de corrida SDS-PAGE 10%, e após a corrida, os géis foram corados com prata, de acordo com o protocolo estabelecido por Kang et al. 2002.  Os perfis eletroforéticos das proteínas foram digitalizados, tratados e analisados utilizando o sistema de imagem digital Image J. As intensidades de grau de cinza das bandas de mesmo peso molecular foram analisadas e os valores de intensidade convertidas em percentuais de variação em relação ao controle. Os dados relativos, postos em condições equivalentes de eletroforese e coloração, forneceram o valor percentual da variação das intensidades de bandas de proteínas de peso molecular similar, em relação ao controle. 

O perfil eletroforético foi avaliado e dividido em 10 proteínas distintas (P1, P2, P3, P4, P5, P6, P7, P8, P9, Albumina) onde identificamos um comportamento diferente em suas expressões se comparados ao grupo controle.  

O projeto foi previamente aprovado em Comitê de Ética, CEUA – UFMG 339/2014. As normativas do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (CONCEA) e do Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (COBEA), bem como foram respeitadas as recomendações referentes aos cuidados dos animais. (Guide for the Care and Use of Laboratory Animals - Institute for Laboratory Animal Research/ National Academy of Science - USA).


Resultados

 

A Fig. 1 ilustra o perfil de intensidades em função do comprimento das colunas do gel controle para amostras obtidas a 0 h, 1 semana, 35 dias do grupo controle. Os géis gerados demonstraram-se muito baixa coloração em prata, visto a muito baixa concentração fisiológica de proteínas do plasma no território cerebral, nas condições de coleta e de apresentação eletroforética propostas no experimento. Foi opção não aplicar técnicas de concentração das proteínas do plasma em nenhuma das amostras para não induzir alterações indesejadas. Na Fig.1 também é apresentada o perfil de intensidades em função do comprimento da coluna do gel da amostra irradiada coletada à 24 h. Observa-se vasta variação da intensidade de picos referente às bandas presentes à 24 h (P1 a P9).

Conforme análise do gel eletroforético das amostras irradiadas, apresentado na Fig.2, pode-se observar cinco comportamentos distintos para a expressão das bandas proteicas, na região de alto peso molecular e da albumina, dentro do território cerebral de animais irradiados se comparados ao controle:

i)    expressão de bandas proteínas que não apresentam no controle nas condições estabelecidas no experimento, e que
      estão presentes após a exposição à radiação (“new expression”) em P1, P2, P3, P5, P6 e P8.

ii)   redução da expressão de proteínaspósirradiação se comparada ao controle (“down-regulation”), comportamento
      observado na parte superior do gel, junto as proteínas de alto peso molecular;

iii)  aumento da expressão de proteínas pós-irradiação se comparada ao controle (“up-regulation”) em P7 e P9;

iv)  redução modulada no tempo de algumas proteínas como a albumina até 24h, sendo este efeito revertido em 48h
     com um aumento da expressão da albumina, aumento mantido superior ao longo do tempo analisado, em relação ao
     controle (“up-regulation” );

v)  comportamento inalterado após radiação, comparado ao controle (“stable”).  

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Figura 2: Gel SDS-PAGE 10%, onde foi aplicado o soro total e a corrida mostrando uma cinética de expressão de proteínas plasmáticas nos animais irradiados após 12, 24, 48, 72, 96 horas e 35 dias pós-irradiação, e controle (C30); seguida de perfis de intensidades em função nos tempos coletados das proteínas identificadas P1 a P9. 


Discussão e Conclusão

 

O soro é uma solução extremamente complexa de proteínas que muitas vezes não permite uma análise isolada de seus componentes, assim estabelecer padrões é uma tarefa muito difícil, o que faz com que o seu estudo e seu entendimento fiquem em um plano secundário, se comparado com outros tecidos (MURATSUBAKI, H. et alii, 2002; TOLEDO, J. M. et alii, 2013; FALCÃO, P.L. et alii, 2014). Por exemplo, Calazans e colaboradores observam não haver variação da albumina em cães controle e portadores de linfoma, que possa direcionar a um padrão para a doença. (CALAZANS, S.G. et. al. 2009) Enquanto, é estável e conhecido padrões eletroforéticos para doenças como hepátite crônica, gamapatías, artrite reumatoide, Lúpus Eritematoso Sistêmico, inflamação aguda, etc. (Wilson, K. e Walker, J.,2010)

Os achados científicos apresentados mostram que a radiação de corpo inteiro na dose de 5 Gy pode alterar a expressão das proteínas de alto peso molecular e da própria albumina no sangue, no território cerebral. Foi observada uma redução da albumina em 12 h após a irradiação, como resposta aguda. No entanto, foi também identificada uma hiperexpressão constitutiva de proteínas após 48 h da exposição, que é mantida ao longo do tempo, com níveis superiores aos do controle. Foi também observado a expressão de bandas proteicas não presentes no controle, diferindo do perfil eletroforético padrão. Alterações do perfil proteico em cinética temporal dificulta a definição de um padrão para a exposição à radiação de corpo inteiro.

Entretanto, pode-se supor que estas alterações contribuem para o agravamento dos efeitos agudos e tardios referente à exposição a radiações ionizantes, visto que cada uma destas proteínas, P1 a P9, cumpre seu papel regulatório. Como exemplo, a albumina é uma das principais proteínas do sangue responsável pelo controle da osmolaridade sanguínea e pelo transporte de substâncias como hormônios e medicamentos. Alterações na concentração de albumina interferem no metabolismo humano.

Os achados demonstraram a existência de comportamentos distintos na expressão das proteínas de peso molecular acima da albumina e da própria albumina em relação ao controle, no território cerebral. Observou-se que tais proteínas apresentam uma elevada dinâmica em prol do tempo. Por exemplo, após 12 h da exposição, ocorreu a redução da expressão de albumina como efeito agudo, sendo que após 24 h observou-se a tendência de aumento gradual da expressão nos tempos de 48, 72, 96 h após exposição, reduzindo este comportamento em 35 d. Neste tempo, há um conjunto de proteínas com expressão superior ao controle, mesmo após 1 mês pós radiação. Entretanto, as análise dos efeitos tardios tem que ser melhor investigadas visto que alterações metabólicas fisiológicas podem estar somadas aos efeitos da radiação.

Outras proteínas do soro se comportam de maneira diversa ao da albumina. O fato é que existe uma intensa modulação da expressão no grupo de proteínas identificadas (P1 a P9), que é duradoura no tempo de 30 d analisado, ou seja, existe uma reprogramação da expressão protéica. Assim os achados obtidos em nossos ensaios sugerem que a expressão e as concentrações séricas das proteínas de peso molecular superior ou igual à albumina podem ser moduladas e/ou reprogramadas pela radiação de corpo inteiro a 5 Gy.


Agradecimentos

 

Os autores agradecem ao Laboratório de Irradiação Gama - LIG do Centro de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear - CDTN, que gentilmente procedeu à irradiação dos grupos de animais. Os autores estão agradecidos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), devido à ajuda financeira processo 456719 / 2013-0 REBRAT-SUS, e Fundação da Pesquisa do Estado Minas Gerais (FAPEMIG), e à Coordenação de Apoio aos Programas de Ensino Superior (CAPES) pela bolsa de doutorado.


Referências

 

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