DOSIMETRIA DE RADIAÇÕES IONIZANTES

DESDE QUANDO?



AUTORES: Fausto Mafra Neto 1 - Lucas Nezio Malta 2 

1 MSc. pelo Dep. de Eng. Nuclear da EEUFMG - 2 MSc. pelo Dep. de Física da UFMG
 Belo Horizonte, MG - Brasil - 2019

 Maio de 2019  


Introdução


O século XIX foi marcante para a ciência moderna, e principalmente a última década que deixou um legado tecnológico concreto para diversas áreas do conhecimento como a engenharia, a medicina e a agricultura dentre outras.

As descobertas de então permitiram aos cientistas penetrarem no interior da matéria e revelar seus segredos.

Nomes como Crookes, Roentgen, Becquerel, Thompson, Planck, Marie Curie, Milikan, Rutherford, e muitos outros, fazem parte dessa história.

No decorrer dos anos subsequentes, as aplicações das radiações, conduziram às medidas da intensidade e da dose, motivo deste trabalho.


O tubo de Crookes

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Em 1850, William Crookes construiu um aparato, o tubo de Crookes, com o objetivo de demonstrar que os átomos poderiam ser constituídos de partículas ainda menores.

Onze anos mais tarde, em 1861, Crookes observou, pela primeira vez, uma radiação emitida do terminal negativo (catodo) atraída para o terminal positivo (anodo) no interior do tubo:

OS RAIOS CATÓDICOS

O resultado do trabalho de Crookes despertou a curiosidade e o interesse de toda a comunidade científica e acadêmica, principalmente nos países da Europa e no Reino Unido, com demonstrações constantes e espetaculares

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Os raios X

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Assim como todos os pesquisadores da época, Wilhelm Conrad Roentgen também fazia demonstrações com o tubo de Crookes.

Em 8 de novembro de 1895 percebeu, pela primeira vez, a presença de uma radiação ainda desconhecida, mas relacionada com os raios catódicos desde que somente existiam enquanto durasse a operação do tubo. Esta radiação era encontrada do lado de fora do tubo de Crookes.

Como era costume denominar incógnitas, nas equações matemáticas, por símbolos como X, Y ou Z, Roentgen chamou sua descoberta de:

RAIOS X

Menos de dois meses após a descoberta, mais novidade era apresentada à comunidade acadêmica e em 22 de dezembro de 1895, Roentgen registrou, em uma placa fotográfica, a mão de sua esposa e, dias depois, apresentou seus resultados na UNIVERSIDADE WÜRZBURG.

Roentgen recebeu, em 1901, o primeiro Prêmio Nobel de Física.

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Produzir uma imagem radiográfica demandava tempo de exposição de um objeto aos raios X ou, quantidade de radiação dada por:

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em que i é a corrente de filamento, V é a alta tensão aplicada e r é a distância do foco de raios X até o filme.

A quantidade de radiação aplicada na formação de imagem pode ser relacionada a algum efeito produzido como a fluorescência de alguns materiais, o enegrecimento de emulsão fotográfica, efeitos biológicos ou a ionização dos gases, sendo este último o mais utilizado.

A ionização produzida em 1cm3 de ar, nas condições padrão de temperatura e pressão, foi denominada

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adotada como unidade de medida da quantidade de raios X em 1928.(Congresso Internacional de Radiologia de Estocolmo - SUECIA)

Se, no Sistema Internacional de Unidades,

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A descoberta do elétron

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A descoberta dos raios X não revelou a identidade dos raios catódicos, cuja identificação só foi revelada em 1897 quando o físico britânico J.J. Thomson concluiu tratar-se de partículas dotadas de massa e carga elétrica.

Thomson determinou, primeiramente, a relação matemática entre as duas grandezas e/m e propôs um modelo atômico contínuo, para um átomo homogêneo, que ficou conhecido como pudim de passas.

Essa façanha, encerrada com a medida da massa do elétron,

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rendeu ao Thomson o Prêmio Nobel de Física de 1906.

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As radiações naturais

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Descobertos os raios X, a tomada de imagens radiográficas virou febre na Europa como em outros continentes. Para registrar uma imagem era necessário que uma pessoa permanecesse imóvel por longo tempo, difícil de suportar. Por isso, nessa ocasião, os cientístas trabalhavam com o objetivo de encontrar uma substância intensificadora dos efeitos da radiação.

Em 1896, Antoine Henri Becquerel percebeu que os sais de urânio, presentes em sua mesa de trabalho, eram os responsáveis pelo enegrecimento e perda de suas chapas fotográficas, pois estavam protegidas da luz.

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Daí, uma nova onda de descobertas se iniciava. O primeiro resultado veio com o casal Pierre Curie e Marie Sklodowska Curie, esta conhecida como Madame Curie. 

O casal demonstrou que a radiação encontrada por Becquerel era uma propriedade do urânio, dependente apenas da quantidade.

Era uma emissão natural.

Por este trabalho, o casal Curie, juntamente com o Becquerel, recebeu o Prêmio Nobel de Física de 1903.

Em 1898, Marie Curie descobriu uma cadeia de elementos descendentes do  U-238, ainda mais ativos, e dentre eles o Ra-226, o quinto filho do urânio.

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Marie Curie, já viúva em 1911 recebeu, pela segunda vez o Premio Nobel, agora o de química, pela descoberta dos elementos polônio e radium


Decifrando as radiações naturais

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Igualmente aos raios catódicos, faltava a identificação da radiação emitida pelo U-238 e seus descendentes. Foi Ernest Rutherford quem, em 1897, constatou tratar-se de três tipos de radiações distintas e que foram denominadas

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Rutherford ganhou o Prêmio Nobel de 1908.


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Um feixe colimado da radiação emitida pelo U-238 foi introduzido perpendicularmente a um vetor campo magnético, orientado para dentro da página. A primeira observação foi a existência de duas radiações de cargas elétricas diferentes e uma terceira sobre a qual o campo magnético não atuou, portanto sem carga elétrica. Pela ação do campo magnético, aquela radiação que se deslocou para a esquerda é de carga positiva e foi denominada partícula   α, enquanto a outra que se deslocou para a direita, com carga negativa, foi denominada partícula β. À terceira, foi dado o nome de radiação γ.


A dosagem do radium

O Ra-226, para uso médico, foi produzido na forma de sais como o BROMETO DE RADIUM ou CLORETO DE RADIUM, que eram destinados à produção do radônio, o Rn-222. Como SULFATO DE RADIUM eram inseridos diretamente nos tubos e agulhas de platina.

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O radônio é filho do Ra-226. Enquanto o pai morre, por decaimento α, o filho cresce permanecendo pai e filho em equilíbrio(fig.6). A quantidade de radium é medida em Miligramas enquanto a quantidade de radônio se mede em Milicurie.

Então, 1Ci de Rn-222 é a quantidade de radônio em equilíbrio com 1g de Ra-226.

O primeiro método usado para registro da dosagem do Ra-226 foi o miligrama-hora, a quantidade de radiação emitida por 1mg do elemento radium durante 1hora. Isto pode causar embaraço, uma vez que,

1000 mg x 1h = 1 mg x 1000 h

Quanto ao radônio, a dosagem foi baseada no milicurie destruído, a quantidade de radiação total emitida quando 1mCi de radônio decai a zero. Vamos considerar uma fonte contendo 1g  de Ra-226 em equilibrio com 1Ci de Rn-222. Após 1hora,  o radônio emitiu uma quantidade de radiação com meia vida de 3,82d, restando menos de 1Ci.

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para t = t1/2 = 3,82d = 91,68h     => daí,    λ = 0,00756h-1       e, ao final de 1h restam    I = 0,9925Ci,  e significa que em uma hora 0,0075Ci foram desintegrados., isto é,

7,5mCi destruído

 1000 mgh de Ra <> 7,5 mCi-destruído de Rn

A unidade mgh pode ser convertida em mCi-destruído, ou vice-versa, simplesmente multiplicando ou dividindo pelo fator 7,5. Então,

133mgh = 1mCi-desstruído


O lado esquerdo da igualdade representa a quantidade, em gramas, utilizada em uma hora, enquanto o lado direito representa a quantidade desintegrada.

Nenhum dos dois lados informa a quantidade de radiação entregue no tratamento ou, retida no volume tratado. Isto só foi observado em 1934 pelo médico inglês Ralston Paterson.

Em 1937, no Congresso de Radiologia de Chicago, o físico inglês Louis Harold Gray apresentou uma proposta de definição quantitativa da grandeza Roentgen:

O Roentgen será a quantidade de radiação X ou γ tal que a emissão
corpuscular por 0,001293g de ar produz íons no ar transportando
1ues de eletricidade de ambos os sinais.

Esta proposta foi publicada no British Journal of Radiology de 1937: Recomendações Internacionais, Unidades Radiológicas, Brit. J. Radio., 1937. 10, 438.

Ainda em 1937 Gray apresenta a quantidade de radiação γ a 1cm de distância de uma fonte puntual de 1mg de radium, durante uma hora. Era a constante de raios gama do Ra-226.

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A dose absorvida em tecido mole

O Roentgen, como unidade de medida no ar, estava bem estabelecido para os raios X e raios γ. Em 1945, Herbert Parker propõe a utilização do rep - roentgen equivalent physical, como unidade de dose, em substituição ao roentgen para o tecido biológico. 1 rep é definido como 83 ergs de energia absorvida, em 1g  de tecido mole, procedente de 1R de raios X ou γ.

Em 1953, uma unidade mais geral, o rad-absorbed radiation dose foi definida como a energia absorvida de 100ergs por 1g de tecido mole, proveniente da aplicação de 1R de radiação de qualquer natureza. Então, consequentemente,

1R = 1rad

em tecido mole. Nos tecidos ósseos, a aplicação de 1R produz uma absorção maior do que 100ergs por grama.


Finalizando

Acompanhamos a evolução do conhecimento e uso das radiações ionizantes, desde a descoberta nos anos de 1890, até sua utilização plena particularmente na área médica. As unidades de medida, como não podia deixar de ser, foram definidas de acordo com os recursos disponíveis para observação de seus efeitos produzidos sobre os meios materiais.

1Gy = 100rads

O Gray (Gy) foi adotado como unidade de medida da dose absorvida pelo Sistema Internacional de Unidades-SI, para todos os tipos de radiação ionizante e para todo material.


Autores consultados

CADE, S., Malignant Disease and its Treatment by Radium - Bristol,: John Wright and Sons Ltda, London, 1948.

DELARIO, A.MJ., Roentgen, Radium and Radioisotope Therapy - Lea & Febiger - Philadelphia, 1953

GLASSTONE, S., SESONSKE, A., Engenieria de Reactores Nucleares -  Editorial Reverté, Barcelona, 1975

JOHNS, H.E., CUNNINGHAM, J.R., The Physics of Radiology - Thomas, Springfield, Ilinois (1985).

KHAN, F.M., POTTISH, R.A., Physics of Radiation Therapy -  3rd ed, Lippincott, Williams and Wilkins, Baltimore, MD (2003).

MASSEY, J. B., Coleccion de Informes Tecnicos n0 110 - Manual de dosimetria en radioterapia - Organismo Internacional de Energia Atomica, Viena, 1971.

PODGORSAK, E. B., Radiation Oncology Physics: a handbook for teachers and students- IAEA, Viena 2005