O aumento superficial de dose na fossa supraclavicular em decorrência do emprego de imobilizadores termoplásticos em Radioterapia de cabeça e pescoço. 

Arnie Verde Nolascoa*, Luiz Oliveira Fariab

 

a Depto. de Eng. Nuclear, UFMG, C.P. 702, 31270-970 Belo Horizonte, MG, Brazil

b Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear, Av. Antonio Carlos 6627, C.P. 941, 30161-970 Belo Horizonte, MG, Brazil.

 

março de 2017


Introdução

 

No contexto da Radioterapia, a utilização de feixes de fótons de alta energia para o tratamento de lesões profundas concorre naturalmente para a preservação da pele irradiada pelos campos de tratamento. Isto ocorre porque a curva de distribuição de doses em função da profundidade expressa uma região de desequilíbrio eletrônico geralmente maior que a espessura média da pele, resultando em uma benéfica preservação deste tecido sensível. Este efeito é reportado na literatura como Skin Sparing (Chiu-Tsao & Chan, 2010) (Carl & Vestergaard, 2000) (Devic et al., 2006). Não obstante, o emprego de ferramentais de imobilização como as máscaras e moldes termoplásticos tem contribuído para o desaparecimento do efeito Skin Sparing e o consequente surgimento de um efeito de superficialização da dose (Carl & Vestergaard, 2000).               

O efeito de superficialização da dose distribuída nos procedimentos radioterápicos confronta-se com o benefício trazido pela utilização dos materiais imobilizadores na prática clínica. Estas ferramentas são essenciais para garantir a reprodutibilidade das posições adotadas pelos pacientes durante todos os dias de tratamento, possibilitando que a distribuição de doses planejada seja atingida com eficiência ao final da radioterapia. Assim sendo, faz-se de extrema importância avaliar quão significativo possa ser a utilização destes instrumentos de imobilização, considerando os prejuízos advindos do aumento da dose nas regiões superficiais.

Este artigo tem como objetivo estudar e quantificar o aumento da dose superficial atribuído a utilização de imobilizadores termoplásticos para tratamentos de cabeça e pescoço. Alguns autores, como (Kelly et al., 2011), estudaram o efeito em tratamentos de câncer de mama e obtiveram resultados que corroboram com as previsões destacadas no início deste artigo.

Para obter criteriosamente as doses depositadas na pele em um determinado procedimento Radioterápico, foram empregadas três técnicas dosimétricas de grande importância: A dosimetria termoluminescente (TLD); A dosimetria por meio de filmes radiocrômicos (EBT-3) e a Simulação computacional pelo método PBC (Pencil beam convolution).

 

Metodologia:

 

Afim de reproduzir um tratamento radioterápico de cabeça e pescoço para avaliar as doses superficiais decorrentes do tratamento na região da fossa supraclavicular (FSC), optou-se por utilizar o simulador antropomórfico Alderson Rando. Para cumprir rigorosamente todos os processos necessários ao planejamento de um tratamento conformacional, o simulador foi submetido a um exame de imagem por tomografia computadorizada para em seguida receber a delimitação do volume alvo estabelecido pela hipótese de uma lesão cervical situada próxima a base da língua. Sobre a superfície do Alderson Rando também foram posicionados pequenos marcadores radiopacos fundamentais para a identificação, no exame de imagem, dos pontos superficiais sobre os quais seriam avaliadas as doses, tanto pelas técnicas de dosimetria sólida (EBT e TLD), quanto pela simulação analítica computacional (PBC). Estes pontos foram criteriosamente escolhidos de modo que fosse possível avaliar o efeito da superficialização da dose nas mais diversas regiões dos tecidos cervico-faciais.

Em conformidade com os protocolos terapêuticos internacionais, foi preparada uma máscara termoplástica e um apoio de cabeça apropriado para as dimensões anatômicas do simulador. Os filmes radiocrômicos EBT-3 foram dispostos sobre a pele do simulador cobrindo todos os pontos de interesse. Uma fina fita adesiva fixou os recortes de modo que estivessem bem aderidos a superfície. Analogamente ao EBT-3, os dosímetros termoluminescentes também foram fixados à pele do simulador, mais precisamente sobre os pontos mapeados. Pequenos recortes de esparadrapo foram empregados com o objetivo de aderir o TLD-100 a superfície. Como o interesse principal deste trabalho foi a avaliação do aumento de dose na pele provocado pelo emprego de máscaras termoplásticas, fez-se de extrema importância utilizar os mesmos métodos tanto para o tratamento do simulador com máscara, quanto para o mesmo simulador sem o imobilizador termoplástico. O ferramental dosimétrico para cada situação experimental foi previamente identificado.

Após o planejamento do tratamento e a devida disposição dos dosimetros sobre a pele do simulador, realizou-se a entrega de dose terapêutica para cada uma das duas situações por meio de um Acelerador Linear Clinac 2100 C previamente calibrado, seguindo rigorosamente os protocolos de posicionamento e tratamento estabelecidos pela clínica.

 

Resultados e Discussão:

 

A região anatômica FSC (fossa supraclavicular), consoante o planejamento radioterápico aprovado, foi submetida a irradiação de um campo no sentido antero-posterior (AP). Os resultados obtidos para determinados pontos da superfície irradiada da FSC (Figura 1), tanto para a situação com a máscara, quanto para situação sem a presença da máscara, estão discriminadas no gráfico 1.

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Figura 1 Identificação dos pontos sobre os quais foram posicionados os TLDs para as medidas com a presença e sem a presença da máscara termoplástica.

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Gráfico 1 - Gráfico Posição dos TLD-100 versus a dose medida por eles com a presença da máscara (círculos vermelhos) e sem a presença da máscara (triângulos verdes).

Conforme pode ser visto pelo gráfico 1, os registros obtidos pelo TLD-100 demonstraram maior deposição de dose superficial para o tratamento com a presença do imobilizador termoplástico. Todos os pontos das fatias F,E e C registraram algum aumento de dose. O aumento médio nas fatias F,E e C foram respectivamente iguais a 30,1 %, 34,5 % e 34,4 %,  produzindo um aumento médio em toda a região da FSC, aferido através da dosimetria termoluminescente, de 32,3 %.

                  A robusta resolução espacial do filme radiocrômico EBT-3 fez-se de grande utilidade para a avaliação do perfil bidimensional de aumento da dose provocado pela presença da máscara imobilizadora. Depois do criterioso tratamento das imagens dos filmes irradiados, foi possível obter as isodoses calculadas em cada filme irradiado, conforme apresentam as figuras 3 e 4.

&nbsp; &nbsp; &nbsp; &nbsp; &nbsp; &nbsp; &nbsp; &nbsp; &nbsp;Gráfico <span style='mso-bookmark:
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                 Gráfico 2- Doses médias (cGy) registradas pelas fitas de EBT-3 dispostas na FSC do simulador

O Gráfico 2 dispõe as doses médias encontradas em cada fita de EBT-3 utilizada nas duas situações experimentais propostas. A tabela 1 exibe os valores médios computados que podem ser observados pelo gráfico 2.  Os resultados revelam um importante incremento de dose superficial provocado pela utilização do imobilizador termoplástico. Todas as regiões da FSC nas quais foram analisadas as fitas de EBT-3 registraram um aumento significativo de dose nas camadas superficiais. O aumento de dose mais expressivo foi percebido na região avaliada pela fita 21, que teve adição média de 66,77 cGy, totalizando um aumento médio de 93 % pela inserção do imobilizador. Considerando que a dose de prescrição foi de 180 cGy, tem-se uma dose superficial nesta região, na presença da máscara, com aproximadamente 37 % da dose prevista para tratamento da doença. Somando os dados obtidos por todas as fitas na região da FSC, chegou-se a um aumento médio de 70 % da dose com a presença da máscara termoplástica.

O Gráfico 3 mostra os resultados encontrados através da simulação computacional PBC para determinação das doses superficiais no planejamento do tratamento supracitado. O aumento de dose é observado em praticamente todos os pontos analisados na simulação. No entanto, é importante ressaltar a grande variância de aumento por influência da máscara entre os pontos demonstrados no gráfico 3. O Task Group 53 da AAPM (The American Association of Physicists in Medicine) estabelece como recomendação um limite de incerteza de até 40 % na medida de dose na região do build-up, que no contexto dos feixes de alta energia aplicados a seres humanos compreende a região dos tecidos superficiais. Esta recomendação comprova a grande imprecisão dos métodos analíticos de cálculo de dose quando dirigidos a avaliações na superfície. Desta forma, a credibilidade dos resultados encontrados pela técnica de PBC torna-se frágil e pouco significativa para uma análise rigorosa da superficialização da dose nas regiões da FSC.

Gráfico 3 - Doses médias (cGy) calculadas pela simulação computacional PBC em cada ponto de interesse da FSC.

Gráfico 3 - Doses médias (cGy) calculadas pela simulação computacional PBC em cada ponto de interesse da FSC.

Conclusão:

 

Dosímetros Termoluminescentes (TLD-100), filmes radiocrômicos (EBT-3) e o método computacional Pencil Beam Convulution (PBC) foram empregados para avaliar o aumento de dose superficial na fossa supraclavicular em decorrência da utilização de imobilizadores termoplásticos. O ferramental dosimétrico foi posicionado na superfície de um simulador antropomórfico para que fosse possível avaliar as doses superficiais em duas diferentes situações: uma na presença de uma máscara termoplástica e outra na ausência do acessório imobilizador. A irradiação do conjunto experimental se deu seguindo um protocolo radioterápico padrão dirigido ao tratamento de uma lesão cervical comum.  Foram distribuídas doses de 180 cGy ao volume de tratamento a partir de um Acelerador Linear Varian Clinac 2100 C, com a energia nominal de 6 MV. Os Chips do TLD-100 detectaram um aumento de dose sob influência da máscara de aproximadamente 33 %. O EBT-3, por sua vez, mostrou um aumento médio aproximadamente igual a 70 %. Embora os resultados corroborem com a tese da superficialização da dose provocada pela máscara, eles não apresentaram percentuais de aumento próximos. Pode-se explicar a referida divergência de valores a partir da diferente espessura efetiva de medida de cada dosímetro, como no caso do TLD e do EBT-3. A simulação computacional via PBC, embora imprecisa o suficiente para legitimar a influência da máscara na superficialização da dose, demonstrou o aumento em quase todos os pontos analisados.

 

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