INTERCOMPARAÇÃO DE DOSÍMETROS 

Fausto Mafra Neto*, Jony Marques Geraldo*, Humberto Galvão**

* - Físicos do Instituto de Radioterapia São Francisco - MG

** - Físico da Radioterapia do Hospital Luxemburgo

abril de 2015

 

RELATÓRIO


Introdução

A dosimetria de uma fonte isotópica para braquiterapia de alta taxa de dose é orientada pelo protocolo TEC DOC 1079 da IAEA e  se resume na determinação da atividade daquela fonte, em Curie ou Becquerel.

É um procedimento que se baseia na obtenção da taxa de KERMA no ar, a qual pode ser encontrada através da resposta de uma câmara de ionização cilíndrica, tipo dedal, devidamen-te calibrada para esta finalidade. Este é o procedimento adotado até o momento. 

A obtenção dessa grandeza, a KERMA, é uma operação que depende de um fator de calibração da  câmara de ionização para a energia do isótopo em uso, o 192Ir.

A legislação brasileira recomenda que este fator seja obtido de um laboratório credenciado, para onde encaminhamos nossa instrumentação, câmara e eletrômetro, a cada dois anos, serviço que, no momento, não é oferecido pelos laboratórios em razão da complexidade experimental que depende de irradiadores de 60Co e Rx 250 kV.

Neste caso o fator de calibração é obtido através de uma relação matemática proposta por Maria Helena Marechall, física da CNEN, aceita internacionalmente:


Na impossibilidade de obter esse fator de calibração conforme recomendam os protocolos, e, no cumprimento do dever de garantir a qualidade da dosimetria, procuramos o caminho possível, no momento, que é a intercomparação com algum instrumento calibrado, em outra Instituição de Radioterapia.  

Os procedimentos realizados, neste trabalho, tem por objetivo calibrar um  dosímetro  Baldwin Farmer, com câmara dedal, por comparação com uma câmara poço. 


Plano de Trabalho

Reconhecimento da câmara cilíndrica tipo dedal.

  • posição de leitura máxima

 

Reconhecimento da câmara poço.

  • posição de leitura máxima

  • verificação dos modos de operação, integração – derivação


Reconhecimento da Câmara tipo Dedal

Temos à disposição dois conjuntos dosimétricos, câmara e eletrômetro, Baldwin Farmer, ambos adquiridos nos anos  de 1970. A intensão é reunir os componentes em melhor estado e encontrar o fator de calibração para fontes de 192Ir.

 

Dosímetro I: eletrômetro  FARMER DOSEMETER  TYPE 2502/3 – NS 422

câmara 0,6 cm3  NE 2505/3 – NS 3734

Dosímetro II: eletrômetro  FARMER DOSEMETER  TYPE 2502/3 – NS 388

câmara 0,6 cm3  NE 2571    - NS 1808

O conjunto identificado como Dosímetro II tem certificado de calibração para raios X de alta energia atualizado, emitido pelo IRD em 2009. Isto significa que passou por recentes testes e está, portanto, em condições de uso

O eletrômetro deste conjunto, o que apresenta menor índice de intervenções técnicas, foi escolhido para este trabalho. 

Oferece indicador de sensibilidade, escalas de leituras de 100R e 1000R, para as câmaras de 0,6 cm3, além de um integrador mecânico de arraste com cinco algarismos significativos.

É um instrumento robusto, alimentado por seis pilhas comuns, não sofrendo efeitos de campos elétricos e magnéticos produzidos por dispositivos incorporados ao sistema. Opera com tensão amplificada na faixa dos 300V, no modo integração e é, geralmente, destinado aos proce-dimentos de calibração de feixes de raios X e gama.

As câmaras dos dois conjuntos tem aparência externa idênticas, diferindo apenas nas suas características intrínsecas, imperceptíveis, como, espessura da parede, espessura e condutividade elétrica do eletrodo central, impedância total, etc. podendo algumas interferir no resultado, como é o caso do eixo de simetria na geometria de exposição.

A escolha da câmara que deverá completar o novo conjunto depende de resultados que serão obtidos logo a seguir

Para garantir uma geometria reprodutível, construímos  uma estrutura rígida de Isopor, um rack, que permite exposição da câmara aos raios gama do 192Ir, pelos lados direito e esquerdo, em relação a uma linha de referência, a uma distância de 10 cm.

A fonte, é conduzida por cabo de transferência desde a unidade de tratamento até uma agulha de implante intersticial de 16 cm de comprimento, instalada no rack. A fonte percorre a agulha a partir da posição 1 na extremidade, enquanto leituras são registradas como função do tempo de exposição em cada parada.

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Determinação da posição de máxima leitura da câmara tipo dedal

Câmara NE 2571 – NS 1808

13.jpg

A representação gráfica mostra um pico bem saliente, com um ponto de leitura máxima na posição de parada número 9. Um erro de parada, para mais ou para menos, por exemplo  nas posições 7 ou 11, corresponde a um erro de leitura maior que 1,0%.

Câmara NE 2505/3 – NS 3734

Vemos na figura uma representação gráfica com um patamar de pequena inclinação em torno da posição número 12. Um erro de parada, para mais ou para menos como nas posições 10 ou 14, com um erro de leitura de 0,4%. Daí, então, escolhermos a segunda, a câmara NE 2505/3 para compor o conjunto Baldwin Farmer para calibração de HDR.


Reconhecimento da câmara poço

A câmara poço é um dispositivo cilíndrico contendo uma cavidade, também cilíndrica, ambos com mesmo eixo longitudinal de simetria. A parede do cilindro constitui a câmara propriamente dita, preenchida de ar e com um eletrodo para coleta das cargas liberadas pelos fótons resultantes do decaimento do isótopo.

Esta câmara foi proposta por Goetsch et ali., em 1992 em razão da complexidade e do tempo demandado para calibração com a câmara cilíndrica dedal.

Três aspectos caracterizam esse tipo de câmara:

  1. câmara de grande volume, resultando em sinal elevado

  2. guias confiáveis para posicionamento da fonte

  3. pequena variação da resposta com a posição da fonte ao longo do eixo.

Para utilização da câmara poço na medida da KERMA no ar, é necessário certificarmos de que todas as cargas liberadas pelos fótons estão sendo coletadas. É necessário, portanto, determinar a posição de máxima leitura daquela câmara.


Posição de máxima leitura da câmara poço

Uma agulha de braquiterapia de próstata, de 16 cm de comprimento, foi introduzida na peça guia e levada à cavidade da câmara. Um cabo de transferência próprio da agulha foi utilizado para conexão com a unidade de tratamento. Variando a posição da fonte ao longo da agulha, a partir da extremidade considerada posição 1, obtivemos os seguintes resultados:

8.jpg

A câmara poço apresenta um patamar de pequena inclinação em torno da posição de máxima leitura. O erro de leitura, relativo à posição de máximo, nos pontos de parada 15 e 19 é menor que 0,3%. 


Comparação dos modos de operação integração – derivação

A resposta de uma câmara de ionização exposta a uma fonte de radiação qualquer pode ser apresentada em dois modos de operação:

  • Integração

  • Derivação

A figura mostra um diagrama de uma câmara ligada a um eletrômetro contendo os dois modos de operação que podem ser selecionados pelas chaves SC e SR.

Alternando as chaves SC  e SR fechadas,  construímos a tabelas 4 e 5

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Representando a integração por I e a derivação por D podemos escrever:

I = D – 0,191

resultado que mostra uma relação linear entre os dois modos de operação, com inclinação igual 1,0 e que corta o eixo vertical abaixo da origem no ponto -0,191. Este coeficiente, 0,191 é pouco representativo para respostas de muitas ues, como 528ues mas muito representativo para pequenas quantidades de ues, como 50ues ou 10ues etc.


A  curva de calibração

Os procedimentos adotados para obter o fator de calibração da câmara dedal, por comparação, foram realizados nas condições dadas na Tab. 6 obedecendo as características de cada instrumento e resumindo as intensidades de Roentgen ou nC  para distância da fonte igual a 1 metro.                    

O gráfico obtido com dados da câmara padrão em Gym2 e da câmara dedal em R, para um ponto situado a 1 metro da fonte, é uma reta. O resultado da regressão linear é dado pela equação

CP = 0,00923CD + 0,02895

O coeficiente angular 0,009229 é o fator de calibração da câmara dedal, isto é, o número pelo qual devemos multiplicar a leitura da câmara dedal para obtermos o valor verdadeiro.


Bibliografia

INTERNATIONAL ATOMIC ENERGY AGENCY, Calibration of Brachytherapy Sources, TECDOC - 1079, Viena 1999.

INSTITUTO NACIONAL DO CÂNCER, Recomendações para Calibração de Fontes de 192Ir de Alta Taxa de Dose Usadas em Braquiterapia. Rio de Janeiro: INCA, 2005